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sábado, 30 de junho de 2012

Candidaturas e analfabetismo moral

No Brasil não se faz teste de avaliação moral dos candidatos a cargos eletivos, faz-se uma avaliação literária. Para saber se o candidato sabe ler, não para saber se ele é avesso à corrupção, ao fisiologismo, às alianças indecentes, nem se ele é capaz de perceber as necessidades do povo. Veta-se o analfabeto literal, mas não se veta o analfabetismo moral.
A Justiça Eleitoral separa aqueles que sabem dos que não sabem ler, esquecendo-se de que o eleitor, ao escolher um candidato analfabeto, o faz conscientemente, pois isso transparece ao longo da campanha. Mas corre o risco de escolher um corrupto sem ter conhecimento disso. A história mostra que é mais fácil esconder o analfabetismo moral do que o analfabetismo literal. E mostra também que o primeiro é muito mais nocivo ao país.
Desde a Proclamação República até 2003, todos os presidentes brasileiros tiveram diploma superior, civil ou militar. Mesmo assim, o analfabetismo perdurou no Brasil. Foi preciso esperar pela eleição de Lula para se começar um movimento que pretendesse de fato abolir o analfabetismo de jovens e adultos no prazo de quatro anos.
Foram vários os programas de alfabetização até hoje, mas nenhum tinha data marcada para alfabetizar todos os jovens e adultos, nem prazo para que todas as crianças entrassem na escola aos quatro anos de idade e que todos os professores do ensino básico se sentissem valorizados, única forma de fechar a torneira que produz analfabetismo de adultos. Foi preciso esperar por um presidente que não tivesse pago o pedágio do diploma superior para se iniciar o cumprimento desses objetivos. Mesmo assim, esses três programas - alfabetização de jovens e adultos, garantia de vaga aos quatro anos e valorização do professor - foram interrompidos em 2004.
É lamentável que o Brasil tenha adultos analfabetos exercendo qualquer atividade profissional, inclusive no setor público, mas a solução não é proibi-los de serem vereadores, prefeitos ou presidente da República. Isso cabe ao eleitor. No lugar de fazer exames para impedir a candidatura de analfabetos para o cargo de vereador ou prefeito nas eleições deste ano, a Justiça Eleitoral poderia realizar um exame dos compromissos de campanha dos candidatos, para saber se eles incluíram a abolição do analfabetismo no período de seus mandatos, o que implica o compromisso de vaga aos quatro anos para toda criança e a valorização dos professores.
Mas, é difícil imaginar que isso venha a acontecer: os alfabetizados vão dizer que não há recursos para cumprir essa meta. Mas sempre haverá recursos para pagar os salários dos vereadores e dos prefeitos, e contratar alfabetizados parentes e cabos eleitorais. Se um candidato acha que os recursos não são suficientes, ele não passaria no exame de alfabetização moral. Porque uma pessoa que aceita ser candidata achando que não há recursos suficientes para fazer o óbvio não está moralmente alfabetizada, está despreparada para o cargo. Deveria abandonar a vida pública.
No lugar de aceitar a existência do analfabetismo, mas proibir suas vítimas de serem candidatos, o Brasil faria melhor se fizesse uma prova para eliminar os analfabetos morais das campanhas eleitorais. E para os candidatos vítimas do analfabetismo literário, fruto do abandono de governantes que sabiam ler, poderiam ser criados cursos de alfabetização, para garantir que eles aprendessem a ler até o dia de sua posse.

Texto de Cristovam Buarque


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